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Ponto de Surrupira |
Olá
irmãos que vestem o branco!
Hoje falaremos de um povo encantado de grande força nos terreiros, e que apesar de serem conhecidos por alguns, é muito mal interpretado pois sua maneira forte de agir, e seus trejeitos causam temor em alguns, são “O Povo de Surrupira”, e falaremos deles a luz do “Tambor de Mina”, então boa leitura!
No
“Terreiro da Fé em Deus”, de Mãe Elzita,
chefiado espiritualmente por Surrupirinha, embora a mãe-de-santo costume
afirmar que ele é uma entidade brasileira, há cerca de 20 anos, em transe com
aquela entidade, declarou: "eu também sou africano". Conta-se que naquela
ocasião, estavam eles acompanhados do linguista togolês Lebené, quando Surrupirinha se apresentou como africano. Algum
tempo depois, narrando o ocorrido a dona Elzita,
lhe foi perguntado o porquê daquilo, e obtiveram dela a seguinte explicação:
"Surrupirinha é muito brincalhão e como o moço foi apresentado como
africano, ele disse que também era africano"... A declaração de
Surrupirinha, embora não tenha alterado a sua classificação no terreiro de Mãe Elzita, nos levou a indagar sobre
sua nacionalidade.
Os
Surrupiras são representados geralmente como entidades da mata, que moram em
pés de tucum - palmeira abundante no Amazonas, Pará e no Maranhão que tem muito
espinho. Por essa razão as obrigações para eles são realizadas nos tucueiros (tucunzeiros,
ou tucumanzeiros) e nos rituais realizados para invocá-los ou homenageá-los se
costuma preparar para eles uma cama de espinhos, forrando o chão com folhas de
tucum (tucumã), ou se entrega aos médiuns em transe com eles a capa das folhas
ou do cacho daquela palmeira, coberta de espinhos, e eles passam a dançar
abraçados a ela.
Tudo
indica que os Surrupiras entraram nos terreiros de Mina depois dos Turcos -
encantados da família de Ferrabrás de Alexandria -, já
recebidos em São Luís no final do século XIX. De acordo com a tradição oral,
veio primeiro o chefe da família, o Rei Surrupira, incorporando no “Terreiro do
Egito” em Zacarias, que atuara como
tocador de tambor da “Casa de Nagô”. Segundo informação de pais-de-santo que foram
preparados naquele terreiro, Rei Surrupira veio para impedir que espíritos das
trevas dominassem o mundo espiritual, mas, como é selvagem, não foi bem
compreendido e não foi aceito na “Casa de Nagô”. Contado pelos mais velhos, na
época, de acordo com depoimento de “Mãe Dudu” da “Casa de Nagô” (falecida em
1989, com mais de cem anos) entre 1918 e 1920 eles vinham em uma cozinheira
daquela Casa, mas não ficaram lá porque não havia ali a linha deles.
Reconhecido
pela Mãe-de-santo do “Terreiro do Egito” Mãe Pia, Rei Surrupira incorporado em Zacarias
começou a realizar alguns rituais até então desconhecidos ali, como tocar em
cabaças emborcadas na água do rio, que chegou a ser reproduzido em terreiro de
outros filhos da Casa. Mas, para que ele pudesse realizar melhor o seu
trabalho, Zacarias teve que abrir uma
Casa para ele em um sítio, longe do Centro da cidade. Nesse terreiro ele
preparou D. Denira, que incorporou D.Surrupira e que mais tarde abriu
também um terreiro de Mina, onde Mãe
Elzita recebeu seu guia-chefe, Surrupirinha,
filho de Rei Surrupira e D. Surrupira.
Fala-se
que no “Terreiro do Egito”, o Rei
Surrupira era conhecido como Surrupira
do Gangá, mas com a continuação começou a ser denominado também em São Luís
como "Mata Zombano", termo
ate então usado para designar o poderoso encantado do Codó Légua-Boji-Boá, de quem se dizia poder matar zombando... Dizem que
na Casa de D. Elzita, apesar das
letras das musicas cantadas para os Surrupiras se referirem a ele tanto como
"Gangá" e como "Mata Zombano", eles são
classificados como Fulupa, categoria
também integrada por entidades representadas como feiticeiras, como as da
corrente de São Cipriano. Segundo D. Elzita,
a classificação dos Surrupiras como Fulupa se apoia em informação recebida
por ela de sua Mãe-de-santo.
Os
Surrupiras podem ser recebidos nos
rituais como caboclos, como civilizados, se comportando de acordo com o sistema
da Casa (falando na língua dos médios, cantando etc, como ocorre no Tambor de Mina e mesmo no Tambor de
Fulupa do “Terreiro da Fé em Deus”), mas, na maioria das Casas costumam se
apresentar como selvagens, principalmente quando homenageados juntamente com
entidades indígenas nos rituais denominados: Tambor de Índio, Tambor de
Borá ou Canjerê. Nesses contextos
eles às vezes podem assumir características muito estranhas como: se apresentar
uivando, pulando, com olhos esbugalhados, com os braços para trás e querendo
fugir do terreiro - correndo em direção a janelas ou do quintal .
Mas,
se a palavra Surrupira nos leva a
associá-lo ao índio brasileiro (ao Curupira
da mitologia tupi), o nome da sua mata, do lugar de onde veem ou onde moram - a
Mata do Gangá, e a categoria Fulupa na qual são classificados mostram
que nos terreiros de Mina eles foram ou são também associados à África. Teriam
eles alguma relação com os Felupe da Guiné-Bissau ou com a etnia africana
conhecida como Gangá encontrada em Cuba, 1983. E a palavra Gangá poderia ter
sido derivada de Ganga - chefe em língua de grupo Banto. É bem verdade que a
palavra Felupe é usada por Pais-de santo maranhense para designar outra linha
de entidades da Mina, a dos Botos e Marinheiros, ou para designar a nação do
terreiro de Nhá Alice, já desaparecido,
mas segundo D. Elzita esclareceu que
não tem elementos para afirmar se os Fulupa de sua casa são os Felupe daquela
Casa ou pertencem à mesma linha de encantados.
Indagando
nos terreiros maranhenses sobre o surgimento dos Surrupiras em terreiros de Mina mais antigos de capital, nos
deparamos com uma conhecida doutrina (musica ritual) que, apesar de cantada em
Casas que recebem Surrupiras (Rei
Surrupira, D.Surrupira, Surrupirinha e outros encantados da mesma família),
é considerada por alguns um insulto.
“IMBA
FORA SURRUPIRA, IMBA FORRA GUERREIRO
IMBA
FORA SURRUPIRA, CABOCLO É BRASILEIRO”.
Segundo
o que dizem, essa música foi cantada a 1ª vez em junho de 1937, no terreiro de Mãe Maximiana e logo depois em Belém, no
bairro da Pedreira, no Terreiro do Paraense Pai
Sátiro. Falando a respeito dela, D.Elzita
declarou que, se estiver visitando um terreiro e aquela musica for cantada ela
vai embora. E esclareceu: "Onde o
meu encantado não é aceito eu também não sou". Na interpretação de D. Elzita, "Imba fora Surrupira"
diz que ali não é lugar para ele ou que ele não pode entrar no terreiro onde
foi apresentado.
Ao
ouvir essa história a curiosidade bateu de conhecer a origem daquela música e
em conversa com alguns Pais-de-santos mais velhos, fui informado que ela foi
cantada pela primeira vez em São Luís em um terreiro que, apesar de receber
caboclo, não recebia Surrupiras e que a música foi cantada por alguém que
entrou em transe com uma daquelas entidades durante um toque de Mina Indagando
a respeito do motivo da rejeição dos Surrupiras naquela casa, fomos informados
por um Pai-de-santo que ela não tinha nada a ver com sua nacionalidade ou
identidade africana (ser ou não ser africano) e sim com os "modos"
dos Surrupiras. Fala-se no Maranhão que Surrupira é indisciplinado, brigão,
beberrão, grosseiro e que maltrata o médium - "Esbaqueia" (pode
lavá-lo ao chão ou contra a parede). Fala-se que quem é escolhido pôr ele e não
é preparado para recebê-lo sofre muito, pode ficar louco e até morrer. Muitos
que os receberam no começo, fugiram para o mato e voltaram cheios de espinho, se
atiraram na lama, subiam em Tucueiro (ou Tucunzeiro, Tucumãnzeiro), ou foram
levados pôr eles (desapareceram na mata). Segundo informações, foi esclarecida
que por D. Elzita apesar dos Surrupiras ter essa fama, a casa dela é comandada
por um deles, Surrupirinha, e que lá
ele é o primeiro a dar bom exemplo aos outros encantados. Segundo aquela
mãe-de-santo, o procedimento dos encantados depende muito do sistema da Casa e
do médium que o recebe.
Outros
relatos ouvidos em terreiros maranhenses mostram que Surrupira não foi o único
rejeitado por seus atributos. Em 1944-1945, o pesquisador paulista Octávio da
Costa Eduardo ouviu com surpresa em Santo Antônio, povoado negro do município
de Codó, uma doutrina cantada no Terecô onde a entidade Légua Bogi parecia
convidada a se retirar do terreiro. O pai-de-santo Jorge Itaci, em depoimento
gravado em vídeo pouco antes do seu falecimento, diz que a sua mãe também não
gostava dos modos rudes de Légua-Bogi e esse terminou sendo recebido por ele (
DOCUMENTÁRIO JORGE BABALAÔ, 2004).
“ARRETIRA SEU LÉGUA, SEU
LÉGUA JÁ VAI”
Mas
por que Légua Boji seria convidado a deixar o terreiro de “Santo Antônio”
(Codó) quando os médiuns no Terecô, tal como ocorre na Mina, ficam muitas horas
em transe com seus encantados?. As explicações ouvidas nos terreiros
maranhenses para a exclusão de Légua-Bogi vão na mesma direção das que foram
dadas sobre o afastamento de Surrupira. Légua é um guerreiro, briguento,
beberão, "pesado" - difícil de ser "carregado". Por essa
razão, muitos temem ser escolhidos por ele como "cavalo" (médium de
incorporação). Como diz uma de suas doutrinas:
“SEU LÉGUA QUANDO VEM, VEM
FAZENDO CONFUSÃO
TIRA A TAMANCA DO BOI, SEU LÉGUA
LUGAR DE PESO É NO CHÃO”.
Mas,
segundo Mãe Mariinha - mãe-de-santo de Umbanda com Casa no bairro do Angelin -,
os terreiros quando cantam as doutrinas de Surrupira e de Légua (citadas
anteriormente e que foram interpretadas como um sinal de rejeição ou pedido de
afastamento) quando estão em demanda, para expulsar a corrente negativa. Essa
outra interpretação torna plenamente compreensível a presença de tais musicas
no repertório de terreiros que integraram aquelas entidades. É possível que em
alguns dos contextos mencionados elas tenham sido cantadas não para expulsar
Surrupiras e Légua, mas para solicitar a sua ajuda ou proteção.
A
relação dos "mineiros" maranhenses com Surrupiras e com Légua é
bastante ambígua. Os dois são temidos e podem até ser considerados
indesejáveis, mas são muito invocados em caso de demanda. A força dessas
entidades atemoriza e tranquiliza, pois, quando voltada contra os inimigos, dá
segurança a quem recorre a ela. Ter Surrupira e/ou Légua ao seu lado é algo
desejável, embora se fale que poucos sabem lidar com eles. Tê-los na Casa é ao
mesmo tempo uma segurança e um risco, pois se afirma que, quando contrariados,
podem ser vingativos e cruéis. E, tanto um como outro, tem atributos da
entidade Dahomeana Légba que os
terreiros mais antigos do Maranhão – “Casa das Minas” e “Casa de Nagô” -,
preferem manter afastado .
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